Ainda não acabou
A polêmica em torno do decreto do IOF entra em seu segundo mês e traz análises distintas sobre o foco político e a crise institucional instalada entre o Legislativo e o Executivo. Economistas consultados pela Coluna afirmam que está havendo uma “falsa polêmica” sobre o assunto e o verdadeiro debate sobre a tônica do imposto está sendo deixado de lado.
Funções
O IOF foi criado na década de 1960 e tem duas funções: regulatório e arrecadatório. O governo editou um decreto aumentando para 3,5% a taxação do imposto onde a alíquota era zero de forma a incrementar a arrecadação e conseguir R$ 20 bilhões ainda este ano para cumprir o arcabouço fiscal. O Congresso reagiu mal e assumiu o mantra de “corte de despesas” contra o aumento de impostos.
Lobby
Mas o “buraco” é mais embaixo, analisam economistas. “É uma falsa polêmica e ela não deveria existir. O que criou essa falsa polêmica foram interesses políticos em torno do tema”, afirma o economista aposentado Luiz Afonso Simoens da Silva. Em sua avaliação, o Congresso tomou as “dores” dos empresários e se rendeu a lobistas nesta discussão.
Câmbio
Para economistas, o mais importante nessa discussão é o caráter regulatório, que é primordial para a conta de capitais. “Pais emergente não pode se dar ao luxo de não usar um imposto regulatório para mitigar a volatilidade da taxa de câmbio. Você lembra o que aconteceu no final do ano passado com a taxa de câmbio? Pulou de R$ 5,45 em out/24 para R$ 6,73 em dez/24”, salienta o economista Newton Marques.
Ricos e Pobres
No meio dessa polêmica, o discurso da luta de classes ganhou força no país e mostra que não está apenas nos livros ou nas análises sociológicas nas bancas acadêmicas. Elas existem e estão tendo um novo capítulo neste debate em torno do IOF. O governo argumenta que o objetivo é taxar os super-ricos para equilibrar as contas e aliviar a carga tributária para os pobres. O Congresso sustentou a derrubada do decreto presidencial com o discurso de que quem vai pagar mais impostos são os pobres.
Erro
Mas para o economista da Universidade de Brasília (UnB), José Luís Oreiro, o Congresso Nacional não agiu acerto ao derrubar o decreto do governo. Para ele, os congressistas, principalmente aqueles mais ligados à direita, estão defendendo interesses do sistema financeiro, de quem ganha mais dinheiro no Brasil. “As alternativas que o governo tinha ao aumento do IOF eram todas piores. Então, o Congresso está fazendo um desserviço ao país com esse tipo de comportamento”, diz Oreiro.
Alternativas
Taxar os super-ricos para garantir uma economia mais equilibrada foi uma das promessas de campanha do presidente Lula. Um movimento que já acontece em outras economias mundiais. Para Oreiro, o governo tinha três opções para encontrar o equilíbrio fiscal: ampliar o contingenciamento já anunciado anteriormente, o que levaria a máquina pública ao caos; os deputados e senadores fazerem um sacrifício pela República e abrirem mão de R$ 20 bilhões dos R$ 50 bilhões das emendas parlamentares deste ano, o que não vai acontecer; e aumentar impostos, mas que não seria qualquer imposto. Restou o IOF.
Pra plateia!
Oreiro destaca que no caso do aumento do IOF sobre operações de crédito com menos de 364 dias de prazo-maturidade e para o crédito à pequenas e micro empresas foi negativo, mas que poderia ter sido negociado por uma alíquota mais alta sobre as operações cambiais, debate que o Congresso não quis fazer, dando espaço ao embate político. “O Congresso fez uma leitura da plateia e foi de uma imensa irresponsabilidade”, frisou o economista. Na sua avaliação, o Planalto está correto em judicializar a questão “até porque trata-se de uma atribuição exclusiva da presidência da República.”
Viés
O economista Luiz Afonso Simoens da Silva ressalta que, ao contrário do debate, o mercado financeiro e os congressistas alinhados estão preferindo “demonizar” o que chamam de controle de capitais. Bem aplicado o IOF regulatório, ressalta, contribui para a redução da volatilidade da taxa de câmbio e na implantação de projetos de desenvolvimento de longo prazo. Mas eles não estão preparados para isso, dando lugar a um embate com viés ideológico.
Crise
Presidente nacional do PP, um dos partidos que se opõem ao governo, o senador Ciro Nogueira (PI) declarou ontem (2) que o Congresso não vai recuar de suas atribuições. O parlamentar aproveitou para enviar um recado ao presidente Lula: “Não é o Congresso que tem de se adaptar a ele. E não vamos modificar para fazer boa vontade com o presidente da República”, afirmou. Nogueira frisou que o Brasil elegeu um Congresso de centro-direita e Lula precisa “se adaptar a essa realidade”. A declaração foi dada durante sua participação no Fórum de Lisboa.
Enquanto isso…
O presidente da Câmara, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), participou de um jantar patrocinado pelo empresário João Dória, com a presença de outros empresários paulistas e foi chamado de “Herói do Brasil” por Doria. Depois, se deslocou para Portugal, na Europa, para participar do Fórum de Lisboa.