sábado, junho 14, 2025

Protocolo do Cerrado tem baixa adesão do varejo no controle da cadeia da carne

Relatório "Radiografia da Pecuária do Cerrado" foi divulgado nesta sexta-feira (13) pela Ong Do Pasto ao Prato (dPaP)

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Após um ano do lançamento do Protocolo do Cerrado, um conjunto de critérios de compra responsável de gado no bioma, as ações para a preservação ambiental nesta região ainda são tímidas e insuficientes.

Relatório divulgado nesta sexta-feira (13) pela Ong Do Pasto ao Prato (dPaP), intitulado “Radiografia da Pecuária do Cerrado”, revela que de abril de 2024 até hoje, somente cinco frigoríficos aderiram ao documento e, apesar de serem líderes neste segmento, representam apenas um terço (33,6%) da região com perda de vegetação associada à pecuária e 38,8% da capacidade de produção do Cerrado. Isso significa que 2 a cada 3 hectares do bioma seguem desprotegidos pelo compromisso socioambiental do protocolo.

Além de analisar a atuação de frigoríficos em áreas de desmatamento, o estudo também aborda como as redes de supermercados de norte a sul do país poderiam contribuir para a sustentabilidade do bioma, deixando de comprar a carne de fornecedores em regiões sem nenhum monitoramento.

Hoje, apenas duas redes varejistas – Grupo Pão de Açúcar e Carrefour – aderiram ao Protocolo. Considerando a estimativa da Associação Brasileira de Supermercados (ABRAS), de que o Brasil tem 1.251 empresas supermercadistas, é possível concluir que uma grande fatia do varejo ainda comercializa a proteína bovina sem nenhuma política de rastreamento de seus fornecedores.


Destino da carne bovina produzida no Cerrado – e os abatedouros que compram gado do bioma

Desmatamento

Só as vendas do produto nas redes Assaí Atacadista, Mateus Supermercados, Supermercados BH, Irmãos Muffato e Atacadão Dia a Dia poderiam estar associadas a uma área de 83 mil hectares de desmatamento do Cerrado para fins de pastagem. Isso porque essas marcas compram de produtores localizados em zonas de elevada incidência de desmatamento e sem nenhum compromisso de monitoramento ou divulgação pública dos resultados de auditoria.

Para identificar a relação entre as empresas da cadeia da pecuária com as fazendas e produtores que atuam em áreas desmatadas, o relatório utilizou fontes oficiais de informação, como o PRODES Cerrado, o MAPA e o MapBiomas.

Já os dados da exposição do varejo ao risco de adquirir carnes de zonas de desmatamento foram obtidos graças ao aplicativo desenvolvido pelo do Pasto ao Prato, colhidos entre os anos de 2021 e 2024, que permite aos consumidores consultar, pelo celular, a origem da proteína bovina no momento da compra dentro do supermercado.

Aplicativo

Criado em 2021, para estimular o consumo consciente, o app permite que o usuário descubra essa informação ao escanear o código da vigilância sanitária impresso na embalagem do produto. Quando isso acontece, os dados são processados pelo aplicativo, relacionando o ponto de venda aos processadores daquela carne.

Dari Santos, coordenadora de impacto da iniciativa Do Pasto ao Prato (dPaP), ressalta que alguns varejistas engajados afirmam empregar estratégias internas de segregação de produtos, como reservar linhas de abate e dias específicos para atender suas lojas com a carne vinda apenas de fazendas previamente selecionadas.

Porém, ao não divulgarem publicamente os resultados de suas auditorias sobre essa prática, as redes perdem a oportunidade de que esses dados sejam considerados na análise do dPaP. “Nossa metodologia se baseia no escaneamento de código sanitário do produto dentro dos supermercados. Então, associamos todas as fazendas fornecedoras daquele frigorífico à rede varejista onde ele está sendo vendido”, explica a coordenadora.

Relevância do bioma

Segundo Dari, a adesão das empresas aos protocolos de monitoramento e às políticas de compra com critérios socioambientais é uma obrigação vital para o Cerrado brasileiro, por vários fatores. “Apesar do desmatamento ter diminuído no ano passado, o bioma perdeu, em 2023, a maior área de vegetação nativa dos últimos dez anos, equivalente ao Distrito Federal, grande parte motivada pela conversão de terras em pastagens”, diz. “Isso traz impactos diretos sobre a biodiversidade, o estoque de carbono e os recursos hídricos do país.”

Oito das doze nascentes das principais bacias hidrográficas do Brasil estão no Cerrado, mas apenas 7,5% do bioma está protegido por áreas públicas de conservação. Mesmo assim, o Cerrado abriga o maior rebanho bovino do País, respondendo por mais de um quarto dos animais abatidos, com mais de 225 frigoríficos em operação no local e outros 68 nas bordas, informa o relatório.

A maior parte deles revende para todas as regiões, com o Sudeste concentrando a maior parte do consumo (estimativa de 44% a 52% da carne originária do Cerrado), seguido pelo Nordeste, Sul e Centro-Oeste. O estudo do dPaP também lembra que, só em 2024, o bioma foi responsável por 25% dos casos de trabalho análogo à escravidão registrados em propriedades ligadas à pecuária.

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