A raça de jumentos no Brasil está ameaçada de extinção e para frear esse desaparecimento, entidades nacionais e internacionais defendem a urgência na aprovação de dois projetos de lei que tramitam, atualmente, tanto na Câmara dos Deputados quanto na Assembleia Legislativa do Estado da Bahia (Alba).
Na Câmara, a campanha “Pare o Abate” pressiona pela votação imediata do projeto de lei nº 2.387/2022, de autoria do deputado federal Ney Leprevost (União/PR). O texto já foi aprovado nas comissões de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável; de Agricultura, Pecuária e Abastecimento e Desenvolvimento Rural; e na de Constituição e Justiça e de Cidadania da casa. Agora, depende apenas de inclusão na pauta do plenário.
A urgência se justifica: o Brasil já perdeu 94% de sua população de jumentos nas últimas décadas, e o abate em frigoríficos legalizados continua autorizado, especialmente na Bahia, o único estado cujos abatedouros têm permissão para matar jumentos.
A matança destes animais abastece a indústria farmacêutica da China e de outros países asiáticos para onde é exportada a pele usada na fabricação do ejiao – produto feito a partir do colágeno extraído da pele do jumento.
Segundo dados do Ministério da Agricultura, só entre os anos de 2018 e 2024, cerca de 248.000 jumentos foram abatidos apenas na Bahia.
Jumentos abatidos no Brasil
Entre 2010 e 2014 | 1.000 |
Entre 2015 e 2018 | 91.000 |
Entre 2018 e 2024 | 248.000 |
Fonte: Ministério da Agricultura, dados de frigoríficos legais na Bahia
Pressão internacional
Para alertar sobre as graves consequências desta iminente extinção da espécie no Brasil, a organização não-governamental The Donkey Sanctuary está lançando um site www.fimdoabate.com.br, em que os visitantes são convidados a enviar uma carta aos deputados federais explicando as razões de proibir a matança desses animais, a partir de um botão na página da campanha.
A ONG também é apoiadora do workshop que acontecerá em Maceió (AL), nos próximos dias 26, 27 e 28, com o nome Jumentos do Brasil: Futuro Sustentável, promovido pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Na ocasião, a The Donkey Sanctuary vai apresentar um relatório inédito sobre o abate de jumentos nos países da África e América Latina.
Na Bahia, também tramita o projeto de lei nº 24.465/2022, já aprovado pela CCJ da Assembleia Legislativa, à espera de votação dos deputados estaduais. Dados oficiais da FAO, IBGE e Agrostat indicam que o Brasil já teve uma das maiores populações de jumentos do mundo, de 1,37 milhão em 1999.
Hoje, no entanto, a situação é alarmante: o número de animais caiu 94%, de 6 para cerca de 78 mil em 2025. Isso significa que restam hoje apenas 6 jumentos para cada 100 que existiam na década de 90.
“Essa não é apenas uma questão de bem-estar animal. Estamos falando de um patrimônio genético único, adaptado ao semiárido do Nordeste brasileiro”, afirma Patrícia Tatemoto, coordenadora da campanha da The Donkey Sanctuary no Brasil. Segundo ela, o fato de muitas famílias terem substituído o trabalho exercido pelos jumentos em seus meios de produção não pode ser argumento para permitir o abate desses animais.
“Existem três caminhos sustentáveis para os jumentos no Brasil: viverem livres na natureza, continuarem a apoiar a agricultura familiar e serem reconhecidos e valorizados como animais de companhia”, explica a pós-doutora em Medicina Veterinária da Universidade de São Paulo. Pesquisas recentes confirmam que o jumento nordestino possui um perfil genético distinto, o que torna sua preservação ainda mais urgente.
“Não podemos continuar sendo o elo frágil de uma cadeia internacional que lucra com a morte de um animal essencial para a vida de comunidades vulneráveis. É urgente que o Brasil alinhe sua legislação às boas práticas já adotadas por outros países do Sul Global”, aponta Pierre Barnabé Escodro, professor e pesquisador de Medicina Veterinária, Inovação e Empreendedorismo da Universidade Federal de Alagoas.